Não é justo cobrar direitos autorais de entidades religiosas
Por Darci de Matos*
As entidades religiosas sem fins lucrativos exercem um papel relevante na sociedade. Elas ajudam no fortalecimento de uma consciência mais coletiva, humanitária e menos individualista; propagam princípios morais, altruístas e de justiça social; reduzem conflitos sociais; fortalecem as relações interpessoais; ensinam, exortam e atuam de maneira isenta na construção de um ser humano melhor e de um mundo mais equilibrado.
Não obstante a sua relevância, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD (escritório privado, cujo objetivo é a cobrança de direitos autorais por cada música nacional ou internacional que for executada publicamente no Brasil) vem surpreendendo essas instituições com a cobrança de direitos autorais em muitos eventos que realizam. Embora a jurisprudência se incline pela tese de inexigibilidade da mencionada cobrança para igrejas, seitas e templos, o órgão continua cumprindo irrestritamente sua função e a discussão frequentemente é levada à esfera judicial.
A voracidade do ECAD precisa ser limitada. Para se ter ideia, a empresa arrecada direitos de rádios, TVs, shows, bares, academias, consultórios médicos, carros de som, terminais de transporte, festas de casamento, aniversários, festas juninas e beneficentes promovidas com fins sociais ou de lazer . O valor arrecadado por ano ultrapassa o montante de R$ 1,2 bilhões.
A controvérsia deve ser sanada urgentemente. Por isso, elaborei há alguns dias o Projeto de Lei 1107/19, que altera a Lei n° 9.610/1998 (que trata das limitações aos direitos), para impedir a cobrança de direitos autorais no âmbito de cultos, cerimônias ou eventos realizados por organizações religiosas sem cunho lucrativo, e das unidades individuais de uso exclusivo do usuário nos empreendimentos destinados a serviços de hospedagem ou transporte.
Apesar de o inciso XXVII do art. 5° da Constituição assegurar proteção ao direito autoral, e o inciso VI do mesmo artigo definir que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, é importante ressaltar que há perfeita sinergia entre o nosso projeto de lei e os citados preceitos constitucionais.
Além disso, o próprio art. 23, item V, da Carta Magna, estabelece competência à União, aos Estados e aos Municípios para proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Ou seja, os cultos religiosos são, entre outras ações, a verdadeira expressão de práticas indispensáveis à vida de qualquer pessoa.
A partir da publicação da Lei n° 9.610/1998, em seu art. 68, passou a vigorar a cobrança de direitos autorais em hotéis e demais estabelecimentos destinados a hospedagem, quartos de internação hospitalar e até mesmo nas cabines individuais de navios ou trens. Os referidos estabelecimentos e as respectivas empresas de transporte acabam repassando esses custos aos seus hóspedes ou passageiros, prejudicando-os em última instância, independentemente do uso dos aparelhos ali instalados.
Claro que entendemos que a cobrança dos direitos autorais para execução pública em saguões dos hotéis, por exemplo, é totalmente válida. No entanto, quando o evento for realizado em caráter privado por meio dos aparelhos de televisão ou dos rádios instalados nessas unidades, não pode ser enquadrada da mesma forma e não existe uma justificativa plausível para que isso ocorra.
Estamos acompanhando de perto o andamento do Projeto de Lei 1107/19, para que a cobrança dos direitos autorais sobre igrejas, seitas, templos religiosos, e unidades individuais de uso exclusivo do usuário nos empreendimentos destinados a serviços de hospedagem ou transporte não mais aconteça, e os processos judiciais, por vezes abusivos, sejam completamente extintos.
Estamos convencidos de que a nossa iniciativa trará harmonização das normas e justiça social.
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* Darci de Matos é deputado federal